Como é a prevenção do coronavírus no Japão

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Coronavírus no Japão. Minha opinião, cada um tem a sua.
Depois de morar quase 30 anos no Japão, já vivi várias fases críticas. Muitos momentos difíceis foram superados e serviram de grande lição, tanto para os japoneses como para os estrangeiros aqui residentes.

Por que o Japão, sendo um dos primeiros países a contrair a infecção do coronavírus, depois da China, permanece entre os países com número reduzido de infectados e baixa taxa de mortalidade?

Não é porque tem o nível elevado de tecnologia no atendimento a pacientes, muito pelo contrário. Nem testes suficientes para aplicação em massa foram realizados, como na Korea.

Alguns dados do Japão

  • Se for calcular pela população, a cada 100 mil habitantes, a taxa de letalidade para o coronavírus no Japão é de 0,035%; Itália 12,41%; Espanha 7,80%; França 2,04%; Estados Unidos 0,32%; Coreia do Sul 0,26%. (Fonte: Universidade Johns Hopkins, 26 de março).
  • O número de mortos em apenas um dia na Itália chegou a 969, no Japão, foram 2 mortes (até o momento)
  • Apesar de ter capacidade para 6 mil testes por dia do coronavírus, o Japão fez apenas 14 mil exames, 20 vezes menos do que na Coreia do Sul, que foi duramente atingida pela pandemia.”Apenas os pacientes com os sintomas mais severos são testados”
  • Manter a pandemia controlada tem evitado também que o sistema de saúde entre em colapso. Segundo dados do Banco Mundial, o Japão tem 13 leitos hospitalares para cada mil habitantes, mais do triplo da Itália. O Brasil tem 2 para cada mil habitantes.

Medidas preventivas do Governo Japonês

  1. Fechamento das escolas temporariamente
    Cancelamento de eventos (musicais, culturais, sociais, etc)
    Fechamento temporário de portos e aeroportos para algumas nações envolvidas com o surto do coronavírus. Quarentena para aqueles que desembarcarem no Japão.
    Com o intuito de não criar novas comunidades contaminadas e evitar a aglomeração de pessoas. Apesar destas ações terem trazidos muitos infortúnios para pais, professores, profissionais liberais, centros culturais e até empresas, conscientizou parte da população de que o assunto não era algo tão passageiro…
  2. Para não colocar o sistema hospitalar em colapso, a política japonesa para testes e tratamento do Covid-19 tem sido voltada para atender pacientes com algum tipo de risco. Apesar das críticas em relação à dificuldade de fazer os testes de detecção do vírus, o Ministério da Saúde mantem as regras para triagem, como apresentar febre acima de 37,4ºC por quatro dias consecutivos, contato com suspeitos da infecção, retorno do exterior, entre outros.

    Vale lembrar que os hospitais especializados no atendimento a vítimas do coronavírus são equipados com o sistema ECMO – uma aparelhagem que substitui o trabalho dos pulmões e fígado até que os órgãos sejam recuperados. Mas o número é limitado e se houver uma sobrecarga de pacientes em estado grave, a situação ficará bastante complicada (citado em Paradoxo japonês)
  3. Ampliação da linhas de créditos (empréstimos sem juros aos necessitados), subsídios aos trabalhadores e empresas, cobertura do governo com internação aos infectados pelo coronavírus. Lembrando que a grande maioria da população está inscrito em Plano de Saúde (Kokumin Kenko Hoken, Shakai Hoken, planos particulares).
  4. No Japão, estão realizando um trabalho minucioso para rastrear os infectados e focos de contaminação. E obtendo resultados em termos de identificar e isolar os grupos doentes ou grupos de riscos de disseminação. Também vem pesquisando e desenvolvendo medicamentos mais adequados para a recuperação dos doentes.

Hábitos e costumes reforçando a prevenção do coronavírus

O que realmente tem ajudado o bloqueio da disseminação além das medidas políticas, eu acredito que são os hábitos de higiene dos japoneses.

1.Tirar o sapato

Chegar em casa e tirar o sapato é um hábito secular para todo residente no Japão. deixar o sapato do lado de fora é uma boa ideia para reduzir o risco de infecções. Além de realmente ajuda a deixar a casa mais limpa, reduzindo o número de resíduos e micro-organismos da rua que levamos para dentro. Sapatos podem carregar resíduos tóxicos do ambiente.

Calçados são um terreno muito fértil para a multiplicação de bactérias. No lado interno de um sapato pode ter cerca de 3 mil bactérias e no lado externo chega a ter mais de 400 mil micro-organismos.

Entre esses germes, estão a Escherichia coli (causadora de infecções intestinais e urinárias, diarreia e meningite), a Klebsiella pneumonia (que pode causar infecções na corrente sanguínea) e a Serratia ficaria (causadora de infecções raras no sistema respiratório).

Em época de [kafunsho] (febre do feno, alergia a pólens), tirar os sapatos e agasalhos na entrada evita o pólen de se espalhar para o interior.
Regiões como a província de Kagoshima, que tem erupções do vulcão Sakurajima e outros, várias medidas são tomadas para que as cinzas não entrem dentro de casa.

2.Lavar as mãos

Checar em casa e lavar as mãos e fazer gargarejos. Desde crianças até idosos, este é um ritual comum no cotidiano e principalmente reforçados em períodos sazonais de infecções como influenza, norovírus, resfriados e agora com o coronavírus, dentre outros que ocorrem no decorrer do ano.

Nestes períodos, não somente em casa, mas nas escolas, nas empresas, nas fábricas é recomendado a todos. Campanhas educacionais invadem os comerciais da TV, ao anunciar produtos para higienização, reforçando ainda mais a importância destas atitudes.

Usamos as mãos praticamente para tudo que fazemos e a pele é um reservatório de diversos microorganismos. Por meio do contato direto (pele com pele) ou indireto (toque em objetos e superfícies contaminadas), esses microrganismos podem se transferir de uma superfície para outra. As mãos são um veículo eficiente para a transmissão de infecções e bactérias.

Recomendações para lavar as mãos:

Com preparações alcoólicas (gel ou solução)
Duração de todo o procedimento: 20-30 segundos

  1. A​plique uma quantidade suficiente de preparação alcoólica em uma mão em forma de concha de modo que ela venha a cobrir toda a superfície das mãos.
  2. Friccione as mãos entre si.
  3. Não esqueça de espalhar o gel ou solução entre os dedos e sob as unhas.
  4. Espere suas mãos secarem.

Com água e sabonete
Duração de todo o procedimento: 40 a 60 segundos

  1. Molhe as mãos com água.
  2. Aplique na palma da mão quantidade de sabonete (de​ preferência líquido) suficiente para cobrir toda a superfície das mãos.
  3. Ensaboe as palmas das mãos friccionando-as entre si.
  4. Esfregue as mãos, entre os dedos e sob as unhas.
  5. Enxague bem as mãos com água.
  6. Seque as mãos com uma toalha limpa, papel absorvente ou fluxo de ar.

3.Fazer gargarejos [ugai]

Os Japoneses são, muitas vezes, vistos como rigorosos na sua higiene, e pensa-se que este enfâse cultural na limpeza terá parcialmente origem nos costumes ancestrais religiosos.

Fazer gargarejos está ligado à imagem de serem praticados por pessoas que necessitam combater alguns sintomas como dor de garganta, por exemplo. Mas no Japão, é utilizado para prevenção, antes que algo aconteça. Gargarejos usando água e outro elemento (sal, bicarbonato de sódio, vinagre, isojin, etc), ou podem ser feito usando somente água. Esta ação bactericida, antimicrobiana e desinfetante, ajuda a eliminar os microorganismos que poderão provocar inflamações ou infecções.

Sim – aquele “glaglagla… cospe!” Para quem nasceu no Japão, o mais certo é que a sua mãe lhe dissesse algo como “Quando chegar em casa, a primeira coisa a fazer é lavar as mãos e gargarejar!” Pensa-se que este costume seja prevalente no Japão desde o período Heian (aproximadamente 794 a 1185 aC), existindo dois tipos principais de gargarejo.

Bukubuku

Envolve colocar alguma água na boca, fechá-la e bochechar, com movimento rápido das bochechas para limpar o interior da boca. Isto é feito depois de comer ou após escovar os dentes, ajudando a remover quaisquer partículas de comida que ainda persistam ou mesmo pasta de dentes que ainda se tenha na boca. Ao lavar a boca, o seu interior fica limpo e prevene cáries.

Garagara

Envolve colocar água na boca, virar a cabeça para cima com a boca aberta e libertar ar, fazendo o som do gargarejo enquanto se limpa a garganta. Este tipo de gargarejo é feito depois de chegar de um ambiente externo, ou quando se tem a sensação de garganta seca, ajudando a limpar a mesma de quaisquer partículas de pó ou vírus com que se possa ter tido contacto. Ao enxaguar a garganta com água, este gargarejar também ajuda a prevenir constipações.

Quando se fala em “gargarejar” no Japão, é o tipo garagara que tende a vir à mente de imediato, mas este costume de gargarejar é muito especial a este país e por isso pode parecer estranho e interessante a quem vem de fora. Noutros países, por vezes gargareja-se para aliviar dores de garganta, mas o hábito de gargarejar diariamente como forma de prevenção na saúde não é algo que se veja facilmente. Escovar os dentes e manter limpeza da boca é um costume universal, mas estender o sentido de higiene oral à garganta é algo único ao Japão. (citado em A arte de ugai)

4. Uso de Máscaras

“As máscaras reduzem a transmissão de gotículas com material viral pelos seus portadores”

Mesmo antes do novo coronavírus, os japoneses consumiam 5,5 bilhões de máscaras por ano, uma média de 43 por pessoa. Essa cifra saltou tanto durante a pandemia que as lojas ficaram sem estoque de máscaras. Novas remessas passaram a ser vendidas de forma racionada. Antes da abertura do comércio, as pessoas já esperavam pacientemente formando fila na porta das lojas.

“Os japoneses aparentemente entenderam rapidamente que e uma infecção pode permanecer sem sintomas”, afirma o executivo alemão Michael Paume, radicado no Japão. “Então, colocam a máscara para proteger os outros, a fim de não transmitir vírus.”

O uso em massa parece desacelerar os vírus. É o que indica a queda acentuada no número de pacientes com gripe nas sete semanas posteriores ao surgimento do vírus Sars-CoV-2. (citado em Como o Japão mantém o coronavírus sob controle)

Cultura da máscara

Enquanto no Ocidente dizem que máscaras são usadas por pessoas portadoras de alguma doença, o Japão tem outra visão: costume e etiqueta. Aqui usar máscaras, principalmente em períodos sazonais (primavera, kafunsho, pó da China, resfriados, influenza, proteção contra o frio e outros) ou mesmo quando faz consultas médicas ou visitas a pessoas doentes, é algo muito comum, independente se você está doente ou não.

Se você está doente, é para não contaminar outras pessoas. Se não está doente, é para ter mais chances de não ser contaminado. O acessório é utilizado principalmente em locais públicos e em transporte coletivos, onde há muita aglomeração de pessoas.

A cultura do uso da máscara no Japão, deu início na época da Gripe Espanhoal, tem como base o respeito à sua própria saúde e a saúde de terceiros. As máscaras cirúrgicas (modelos atuais) começaram a ser utilizadas em meados do século 20, com o objetivo de proteger contra doenças e alergias. No entanto, foi a partir do surto da Síndrome Respiratória Aguda Severa (SARS) em 2003 e da epidemia de gripe H1N1 de 2009 (influenza) que o uso desse acessório realmente popularizou-se e incorporou-se no dia-a-dia da população.

5. Cumprimento

Diferente dos países ocidentais, o costume japonês tem como base o cumprimento entre pessoas, abaixando a cabeça ou curvando-se, minimizando o contacto físico. Com exceção dos encontros de negócios e entre empresários internacionais, o cumprimento com as mãos, é pouco usado. Lógico, que beijos e abraços nem cogitar entre japoneses ao se cumprimentarem. Nem mesmo entre os familiares e amigos é uma atitude comum.

O novo coronavírus já ficou conhecido como um “vírus social”, uma vez que sua transmissão é muito facilitada pelo contato físico entre as pessoas. Por isso, um aperto de mãos ou um beijo no rosto, por exemplo, devem ser evitados para diminuir as chances do vírus se espalhar.

6. Obediência

A obediência às regras é algo muito enraizado na cultura japonesa. Mesmo relutantes, muitas pessoas, entidades aderem à determinação do governo. Assim , em obediência à solicitação do governo, empresas, instituições, escolas, população vem adotando as medidas preventivas para proteger seus funcionários, clientes, alunos, fornecedores, familiares de eventuais contaminações. Não diria que todos, mas uma grande maioria. Isto faz diferença.

Os japoneses aparentemente entenderam rapidamente que é uma infecção grave e pode permanecer sem sintomas. Isolamento social vem sendo realizado somente no sentido de não sair de casa sem necessidade e de evitar aglomerações de pessoas, principalmente em locais com pouca ventilação.

No Japão a cada temporada crítica que afeta a saúde ou segurança pública (desastres naturais), os habitantes já estão acostumados a se prevenirem. E mais importante, a pensarem [pode acontecer comigo]. Isto muda toda uma situação.

Enquanto pessoas estiverem pensando que [um dia pode ser que aconteça], [aqui não vai ser grave assim], [tranquilo…, eu não vou ser contaminado], [só os idosos são afetados…], [não faço parte do grupo de risco], estes pensamentos são os mais perigosos. Desarma todas as defesas e facilmente podem ser atacados pelo surto.

Vejo que a grande maioria dos japoneses pensam diferente, ou seja, [pode acontecer comigo ou com minha família, o que fazer? como prevenir?]

O primeiro ministro decretou Estado de Emergência para algumas provincias. Fez solicitação à população e empresários para que colaborem com as medidas preventivas, para evitar uma intervenção mais drástica. No momento, escolas e eventos sociais, culturais, artísticas, algumas instituições para atendimento de idosos (Day Service), estão sem atividade. Mas o trabalho continua normal, bem como o comércio e os transportes públicos.

7. Quarentena no surto do coronavírus

A quarentena tem sido requisitado somente em dois casos: pessoas que estiveram no exterior, ao retornarem devem cumprir a quarentena. E pessoas que tiveram contato com infectados, devem permanecer em casa por 14 dias.

Durante a quarentena, medidas de isolamento e desinfecção são adotados. Obrigatoriamente a medição e registro da temperatura corporal duas vezes ao dia. Observação de aparecimento de sintomas ou agravamento devem ser imediatamente comunicados ao Centro de Saúde responsável.

Importância do Kit de Emergência

Se houver necessidade de quarentena, em estado de emergência, obrigatório para todo o país, uma grande parte dos japoneses, tem em casa tem o Kit de Emergência para Catástrofes Naturais, que contem água e alimentos, outros artigos necessários em caso de emergência. Por isso o mínimo tem em casa.

Está certo, que todo ser humano se apavora quando pensa que vai faltar mercadoria nas prateleiras e corre. Haja visto o que aconteceu com o papel higiênico.

Mas pessoas mais sábias, já vem guardando aos poucos, alimentos e água necessários para se manterem em casa, sem ter sair voando par ao mercado. Os estrangeiros que ainda não tem este hábito, realmente poderão entrar em desespero e deixar para comprar tudo em cima da hora e gastar o orçamento que nem tem.

Quando programamos um Kit de Emergência, na realidade fazemos dois conjuntos. Um para ser levado para um refúgio em caso de evacuação e outro para ser usado, se tiver que permanecer em sua própria casa, após a ocorrência de um desastre natural. Com certeza os japoneses mais antigos ou aqueles que já foram um dia atingidos por catástrofes naturais, já tem este kit preparado. Não posso garantir pelos jovens.

8. Sistema familiar

O país tem alta densidade demográfica, possui a maior proporção de idosos, sua população acima de 65 anos é a maior do mundo (28% do total). Muitas pessoas de idade vivem distantes dos filhos e netos, o que difere dos núcleos familiares na Itália, por exemplo, onde o contato dos jovens com os mais velhos é mais frequente.

 Alguns idosos estão internados em instituições como asilo, outros moram sozinhos e alguns moram com familiares. Para aqueles que não estão internados, há um serviço de assistência aos idosos, onde pessoas podem frequentar a instituição, diariamente, ou alguns dias da semana, por período integral ou meio período. É um sistema de atendimento chamado de Day Service, conhecido como “creche de idosos”, onde as pessoas recebem atendimentos como banho, almoço, treinamento de funções, hobbies, recreação, exame médico, etc.

Quando os primeiros focos de coronavírus foram identificados em algumas instituições Day Service, o governo recomendou o fechamento temporário para evitar contaminação em massa, reduzindo de alguma forma a propagação entre os idosos.

9. Prevenção é responsabilidade de cada um

Parece óbvio, mas este lema segue também para a segurança do trabalho, para a proteção em caso de catástrofes naturais e também para surtos de epidemia para preservar a saúde e a vida.

Cada um fazendo a sua parte, pessoas, instituições e governo.

Coronavírus – Poster de esclarecimento do governo japonês

1)Evitar reuniões em ambientes fechados sem boa ventilação
2)Evitar locais de aglomeração de pessoas
3) Ao conversar manter distância razoável entre as pessoas
Medidas preventivas
1) Lavar bem as mãos com sabão, tirando anéis e relógios, secando bem.
Manter unhas curtas.
2) Etiqueta ao tossir e espirrar: usar máscaras, usar lenço de papel ou lenço cobrindo o nariz e a boca, cobrir a boca com a região do cotovelo (braço dobrado)
3) Uso correto da máscara: Cobrindo firme o nariz e a boca, sem deixar lacunas
Etiqueta da tosse e espirro
1) usar máscaras, lenço de papel, lenço, cobrir com o braço
2) Não espirrar ou tossir sem utilizar qualquer medida de disseminação
3) usar corretamente a máscara
Ministério da Saúde do Brasil elaborou materiais de divulgação explicando a diferença entre os sintomas do covid-19, resfriado e gripe.

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